Painéis destacam desafios para aprovação do marco regulatório da eólica offshore, investimentos em portos verdes e governança ética na transição energética
O segundo dia do Brazil Windpower 2025, maior evento de energia eólica da América Latina, foi marcado por discussões sobre o avanço da regulação da energia eólica offshore e o papel da previsibilidade jurídica para destravar investimentos que somam mais de 180 gigawatts (GW) em projetos cadastrados no país. Organizado pela Informa Markets e coorganizado pela Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (ABEEólica) e pelo Global Wind Energy Council (GWEC), o encontro reuniu autoridades federais, estaduais e lideranças internacionais em torno de uma agenda voltada à segurança regulatória, competitividade e industrialização verde.
Representantes do setor privado defenderam que o Brasil só consolidará a indústria eólica marítima com um marco regulatório estável, cronograma de cessão de áreas e regras claras de licenciamento. Sérgio Coelho, subsecretário adjunto de Energia do Governo do Rio de Janeiro, afirmou que o estado está preparado para liderar o movimento, com ventos médios acima de 8 m/s, infraestrutura portuária consolidada e uma cadeia naval capaz de atender à nova demanda. “O Sudeste concentra o maior centro de carga do país e reúne condições logísticas e industriais únicas. A regulação é o passo decisivo para transformar esse potencial em realidade”, destacou.
O debate também abordou os efeitos da Medida Provisória nº 1.304/2025, que trata da modernização do marco regulatório do setor elétrico. Durante o painel, Donato Filho, diretor-geral da Volt Robotics, defendeu que a transição energética deve ser conduzida com responsabilidade técnica e foco em sustentabilidade. “O setor precisa avançar com equilíbrio, não para agradar grupos específicos, mas para cumprir o compromisso do governo com uma energia limpa, acessível e eficiente”, afirmou.
Em complemento à agenda regulatória, Marina Cavalini Bailão, chefe de gabinete da Secretaria Nacional de Portos, anunciou R$ 15 milhões de investimento no Porto de Caiçara do Norte (RN), projeto piloto do Ministério de Portos e Aeroportos (MPOR). O empreendimento marca o primeiro investimento federal em portos neste século e inaugura uma rede nacional de portos verdes voltada à transição energética. “O setor portuário será um dos motores da nova economia. Nosso foco é garantir compatibilidade entre as
operações portuárias e a expansão da energia offshore, unindo segurança de navegação e sustentabilidade”, afirmou Marina. O MPOR atuará como órgão consultivo na análise de interferências prévias em áreas de geração offshore, em parceria com o Ministério de Minas e Energia (MME), para assegurar integração entre infraestrutura marítima e produção de energia limpa.
Transição energética e investimentos
O debate sobre a modernização do setor elétrico e a retomada dos investimentos em energias renováveis reuniu executivas que lideram a transição energética no país. Laura Porto, diretora da Neoenergia e presidenta do Conselho da ABEEólica, destacou que confiança e previsibilidade regulatória são condições essenciais para destravar novos aportes. “A retomada do investimento passa por confiança, governança institucional e planejamento. Precisamos fortalecer as instituições, como a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), e garantir segurança operativa ao setor”, afirmou. Segundo Laura, medidas provisórias nem sempre são o instrumento mais adequado para temas estruturais: “Projetos de lei são mais transparentes, permitem o debate público e representam melhor os anseios setoriais.”
Os debates do segundo dia reforçaram que previsibilidade regulatória, infraestrutura portuária e governança ética são pilares da nova fase de expansão da energia eólica no Brasil. Com uma matriz elétrica 93% renovável e 36 GW de capacidade instalada, o país avança para consolidar a indústria offshore e ampliar sua presença na economia global de baixo carbono. David Cassimiro, pesquisador e consultor em offshore do Banco Mundial, ressaltou que o Brasil reúne todos os pré-requisitos técnicos e ambientais para se tornar referência global em energia offshore, mas precisa oferecer segurança e transparência a investidores internacionais. “O capital está disponível, mas precisa de confiança e previsibilidade. O marco regulatório é o motor que vai atrair investimentos e permitir a formação de uma cadeia produtiva robusta”, afirmou.
Embora o Brasil tenha um dos maiores potenciais eólicos do mundo, o atraso nas decisões pode custar oportunidades estratégicas, reforçou Raissa Cafure Lafranque, chief strategy officer da EDF Power Solutions. “Precisamos avançar agora para não perder o timing global”, disse. Também participaram Guilherme Grossi (Ocean Winds), Uiara Valente (RWTH Aachen University & EnBW) e Marcelo Frazão (CSQRO Advogados), que defenderam o avanço de modelos de cooperação internacional e a formação de cadeia de suprimentos local para garantir competitividade e conteúdo nacional.
Um alerta sobre a integridade da comunicação
Ben Backwell, CEO do GWEC, alertou para os riscos trazidos por ferramentas de inteligência artificial e deepfakes. “Vamos chegar a um momento em que ninguém saberá se uma fala é minha ou de um algoritmo”, afirmou. Segundo ele, a juventude — nativa das plataformas digitais — precisa ser coprodutora das soluções contra a desinformação, em articulação com a indústria, organizações e governos.
Elbia Gannoum, presidente-executiva da ABEEólica, destacou que o governo brasileiro já trata a integridade da informação como agenda estratégica, citando o papel de um enviado especial do país sobre o tema na COP30. Ela lembrou que “a mentira nasce em ambientes de verdade” e que a disseminação de meias-verdades se amplia numa sociedade hiperconectada. No setor, isso tem se refletido em narrativas imprecisas sobre supostos impactos de eólicas offshore na fauna marinha, sobre o uso de água por data centers e em disputas políticas envolvendo a MP 1.304 e a permanência de térmicas a carvão. “É uma luta contínua: construir a verdade de forma estruturada e gerir a desinformação”, afirmou. Elbia também mencionou o desafio regulatório de enquadrar as redes sociais, tema em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF).
Representando a juventude, Maria Eduarda da Silva, ativista e defensora da juventude pela UNICEF, ressaltou como barreiras de linguagem e tecnicismos afastam jovens dos debates climáticos. Ela citou projetos locais voltados à mitigação do calor extremo em escolas e defendeu uma comunicação acessível. “A gente só se interessa pelo que consegue entender”, disse, enfatizando a importância da representatividade em espaços de decisão: “Não é fazer para a juventude, é fazer com a juventude”.
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